E aí, povão, como vocês estão? Todos com saudades de aglomerar, não é mesmo? Doidos pra tomar aquela aquela picada gostosa da vacina que só a ciência é capaz de nos dar, tenho certeza!! Todos juntos: VEEEEEM, VACINA!
Vamos ao nosso assunto. Você já deve ter ouvido falar muitas vezes que o Brasil é um país muito diverso culturalmente, mas você sabe identificar essa diversidade cultural no nosso dia a dia e o que isso representa para nosso país na prática?
Imagem 1 - Ilustração de pescador, Manual Caiçara de Ecoturismo de Base Comunitária © Instituto EcoBrasil.
A formação da população brasileira
A diversidade cultural é a maior riqueza da humanidade. As diferentes formas de viver, pensar, trabalhar, morar, agir, expressar a espiritualidade e se organizar socialmente foram imprescindíveis para a sobrevivência da humanidade no planeta Terra.
Foi a capacidade criativa do ser humano que possibilitou os povos do passado se adaptarem às condições mais adversas como o frio, a fome, a sede, a ameaça de predadores e doenças. Assim, por viver muitas experiências diferentes, a humanidade desenvolveu muitas culturas diferentes, muito ricas e cheias conhecimentos.
Primeiro temos que voltar na história para podermos relembrar quais são as origens dessa diversidade em nosso território. O Brasil é um país originado pela colonização portuguesa, ou seja, uma herança cultural europeia. Podemos dizer que essa herança cultural é a mais forte: a forma como vivemos na cidade, nossa língua, nosso padrão de beleza, nossa forma de compreender o mundo tem como base a raiz cultural europeia.
Porém, também sabemos que quando os portugueses chegaram aqui em 1500, nosso território já era habitado: aqui já viviam muitos povos indígenas. Segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), órgão do Estado brasileiro, em 1500 existiam cerca de 3 milhões de indígenas no que hoje é o território brasileiro.
A tabela e o gráfico acima nos mostram como o processo de colonização foi cruel para a população indígena. Eles nos mostram a variação da população indígena no território brasileiro ao longo do tempo, desde o início da colonização portuguesa até os dias de hoje. Em 1500, somando a população do litoral e do interior, havia 3 milhões de indígenas. Essa população cai rapidamente no litoral, por começou a colonização do Brasil. No interior a população indígena. permaneceu a mesma até a colonização portuguesa iniciar sua interiorização. A tabela e o gráfico também mostram que mesmo após o Brasil se tornar independente (1822) e tornar-se república (1889) a população indígena continuou diminuindo até quase desaparecer na década de 1950, voltando a crescer a partir da década de 1960. Não podemos esquecer, portanto, que a população indígena é responsável por uma das matrizes culturais da população brasileira.
Outra matriz cultural vem da África. A população negra foi capturada e trazida à força em navios superlotados com péssimas condições de higiene. Muitos morriam durante a viagem da África para o Brasil devido aos maus tratos, doenças e fome. Há registro de que a prática da escravidão de africanos no Brasil começou já no século XVI, mas foi no século XVII que passou a ser utilizada em larga escala. Foram quase 4 séculos de escravidão, onde milhões de africanos foram trazidos para trabalhar forçadamente. Diferentes povos africanos foram trazidos para o Brasil, por exemplo: Bantos, Nagôs, Jejes, Malês, Hauçás.
Essas três culturas (Européia, Indígena e Africana) se misturaram de maneira conflituosa e são as matrizes culturais de nossa população. Isso é percebido nos nossos costumes de alimentação, festejos, religiões, literatura. Infelizmente, nossa população ainda sente os efeitos da colonização e escravidão: as populações indígenas e negras encontram-se ainda hoje, em grande parte, em algum tipo de vulnerabilidade social.
O que são as populações tradicionais?
As populações tradicionais são sociedades, culturas ou comunidades que possuem formas de organização e modos de vida diferentes da maioria da população brasileira. Não possuem apenas diferenças culturais regionais, como percebemos se compararmos a população nordestina e a população sulista. As populações tradicionais possuem uma série de particularidades que são bem diferentes da população em geral.
Olhe o que diz o decreto de Lei n.º 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, Artigo 3:
I – Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).
inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).
Fatores comuns e próprios das populações tradicionais brasileiras:
A identidade própria;
O uso de um território;
Intensa relação com a natureza;
Cultura e prática religiosa baseada na ancestralidade;
Economia de subsistência;
A oralidade como forma de transmissão de conhecimento.
Imagem 2. Casa de extrativista, com trapiche e açaizal, Resex Rio Cajari, Amapá © Roberto M.F. Mourão, 1999.
Quem são as populações tradicionais?
Hoje em dia já são identificadas variadas populações tradicionais por todo o país com identidades próprias. Alguns exemplos são: Caiçaras, Quilombolas, Pescadores artesanais, Ribeirinhos, Babaçueiros, Pantaneiros, Jangadeiros, Seringueiros, entre outros. Essas populações têm como práticas econômicas o modo de subsistência, ou seja, elas cultivam, pescam, extraem, coletam e caçam para consumo próprio e, o excedente, elas trocam ou destinam ao mercado.
O modo de vida dessas populações está intimamente ligado ao território em que habitam. Nesse território, as populações desenvolveram ao longo do tempo técnicas de trabalho e conhecimentos sobre a natureza local, possibilitando sua sobrevivência e o desenvolvimento de uma cultura muito próxima da natureza. Em muitas culturas tradicionais existem mitos que explicam o funcionamento da natureza, da sociedade, da existência. Ou seja, esses grupos desenvolveram sua própria explicação espiritual a partir das experiências que viveram.
A oralidade é um traço fundamental para sobrevivência desses povos. Como os conhecimentos não foram aprendidos na escola, em uma cultura letrada onde tem leitura e escrita, é através da experiência prática e da explicação oral, através da fala e da escuta, que os saberes são desenvolvidos e transmitidos. Por isso que os entes mais velhos dessas populações são considerados pessoas muito importantes e respeitadas, pois elas carregam na memória uma grande parte da história e do conhecimento desenvolvido por todo o conjunto.
Imagem 5 - O quilombola Domingos Humberto de Oliveira, de 73 anos, trabalha o ambé, um tipo de cipó que serve para tecer o paneiro, uma espécie de mochila cilíndrica usada pelos quilombolas para colher castanha, ao fundo à direita da imagem. Aos seus pés, ouriços abertos, de onde se tira a castanha-do-pará.
Qual a importância das populações tradicionais?
Toda cultura possui seu valor simplesmente por existir, por ter desenvolvido sua própria história, suas próprias explicações para os fatos históricos e sociais, suas técnicas e tecnologias para o trabalho. Logo, não existe cultura melhor ou pior. A cultura é a maior riqueza da humanidade e, por isso, toda cultura, desde que não seja uma ameaça para outras culturas e povos, têm o direito a existir, ser preservada e protegida pelo Estado e pela sociedade.
Mas, para além dessa concepção ética, as populações tradicionais são responsáveis pela construção de modos de vida muito satisfatórios para o meio ambiente. Vivemos hoje, no mundo todo, efeitos ambientais causados pela sociedade urbana-industrial que hoje se espalhou por todo o planeta. O consumismo, os mais variados tipos de poluição, a urbanização, as práticas econômicas de grande impacto como mineradoras e o agronegócio, têm sido causas de efeitos dramáticos para a natureza. Mudanças globais do clima, perda de biodiversidade, desertificação, extinção de diferentes espécies têm gerado crises hídricas, insegurança alimentar, aumento da temperatura do planeta, aumento na ocorrência de grandes tempestades. Ou seja, os efeitos da degradação ambiental que o modo de vida moderno e urbano, baseado numa vida direcionada para o mercado e para enriquecimento financeiro pessoal, tem sido a causa de grandes problemas para um número cada vez maior de pessoas em todo o mundo.
As populações tradicionais, por outro lado, têm desenvolvido por décadas, algumas por séculos, em todo o mundo, modos de viver onde a natureza sofre pouco impacto, podendo se regenerar. Um exemplo claro é a constatação de que os lugares que, ainda hoje, encontram-se altamente preservados, ricos em biodiversidade e com ecossistemas em excelente funcionamento, são habitados por populações indígenas e/ou por populações tradicionais. Em muitos lugares, essas culturas possibilitaram a natureza tornar-se ainda mais exuberante, rica e diversa com suas técnicas de manejo, de seleção de espécies e de adaptação ao meio.
Desta forma, conhecer, reconhecer a importância e proteger essas populações, mais do que a garantia de um direito humano, é a garantia de construir uma sociedade mais saudável, mais rica de experiências, baseada na segurança alimentar, no bom relacionamento com a natureza e de uma forma solidária entre nós. Essas populações, sempre que necessário, aprendem coisas novas com outras culturas, coisas úteis para a sobrevivência deles. Talvez esse seja o primeiro aprendizado para nós: aprender com eles coisas novas para vivermos melhor.
Convidado da Semana
Lucas Maia
Formado em Geografia pela UFF. Professor da Rede Municipal de Educação de Maricá. Mestrando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia pela UFF, tendo como linha de pesquisa Ordenamento Territorial Urbano Regional e campo temático Produção do Espaço Urbano.
Referências
BRASIL. Decreto N. 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, 7 de fevereiro de 2007.
Pereira, Bárbara E.; Diegues, Antonio C. Conhecimento de populações tradicionais como possibilidade de conservação da natureza: uma reflexão sobre a perspectiva da etnoconservação. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, p. 37-50, jul./dez. 2010. Editora UFPR.
Porto-Gonçalves, Carlos Walter, 1949 - A globalização da natureza e a natureza da globalização / Carlos Walter Porto-Gonçalves. - 3ªed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
Toledo, Victor M. A memória biocultural: a importância ecológica das sabedorias tradicionais. / Victor M. Toledo; Narciso Barrera-Bassols; tradução [de] Rosa L. Peralta. - 1.ed. - São Paulo: Expressão Popular. 2015.
Gostaram? Continuem com a gente, pois estaremos sempre trazendo novidades para vocês. Nos sigam no instagram @cienciapovao. Aproveitem e compartilhem com amigos e familiares.
Comments