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Medicalização da vida: precisamos de medicamento para tudo?

Olá, povão! Como vocês decidiram na semana passada, o assunto de hoje é medicalização da vida. Vem comigo!


Fonte: Ibap


Para começar, imagino que vocês não estejam familiarizados com o termo medicalização da vida e devem estar fazendo suposições acerca do que se trata. Alguns devem estar pensando: será que é algo relacionado à remédios? Ou à medicina? Pois bem, vocês não estão de todo errados!


O que chamamos de medicalização da vida nada mais é do que fazer com que situações próprias da vida se tornem assuntos de interesse médico. Isso quer dizer que a medicina passou a se ocupar também de acontecimentos que não possuem origem no corpo.


Dessa maneira, a medicina promete resolver os problemas da vida assim como trata as doenças que atingem o organismo, isto é, com o uso de medicamentos. A consequência direta desse processo é o uso descontrolado de antidepressivos, anabolizantes, pílulas anti-idade, pílulas para reduzir o apetite e viagra, vendidos como soluções rápidas para problemas existenciais. Toma-se remédio para tudo hoje em dia: para o controle da diabetes, hipertensão e colesterol alto, e para não envelhecer, para atingir o corpo ideal, para um bom desempenho sexual, para dormir ou, simplesmente, para lidar com as dificuldades da vida.


E aqui percebemos os problemas da medicalização. Quando tudo se resume apenas a um mal-estar no corpo, exclui-se do diagnóstico os fatores psicológicos e sociais que podem ter contribuído para o surgimento do sofrimento. O olhar médico se volta apenas para os sintomas que o (a) paciente se queixa, priorizando a doença, e não a pessoa que se encontra em sua frente. Assim, deixa-se de investigar uma parte fundamental do processo de adoecimento: a história do sujeito.


A redução da vida apenas ao que acontece no corpo impossibilita que sejamos vistos em nossa complexidade, isto é, que possuímos vivências, formamos relações e estamos dentro de um contexto social que, juntamente, interferem diretamente em nossa saúde. Em outras palavras, somos diminuídos apenas à parte do corpo que não apresenta bom funcionamento. Assim, nos tornamos o coração que não bate corretamente, o fígado que possui excesso de gordura, ou as células nervosas que não trabalham direito.


Um outro problema é a produção de diagnósticos cada vez mais rápidos e pouco criteriosos, direcionados apenas à associação sintoma-doença, podendo causar graves transtornos, como um diagnóstico equivocado e uma prescrição inadequada. Aliás, o excesso de prescrições, decorrente do processo de medicalização da vida, mostra também uma despreocupação com os efeitos colaterais dos medicamentos, que vão desde agitação à arritmia cardíaca e dependência.


A quem interessa a prescrição desmedida de medicamentos?

Povão, se não somos nós que saímos ganhando nessa história, alguém sai. O médico especializado em cardiologia Dante Senra, em sua coluna do site Uol, destaca que em 1997, nos Estados Unidos, a indústria farmacêutica (empresas farmacêuticas que produzem, distribuem e comercializam medicamentos) investiu pesadamente em propagandas publicitárias que visavam o consumidor final. Em consequência, houve um grande aumento no número de diagnósticos de Transtorno Bipolar e de Déficit de Atenção. Um estudo mostrou que as vendas de antidepressivos movimentaram o mercado norte-americano em 10,9 bilhões de dólares (SOARES; CAPONI, 2011).


A criação de transtornos mentais pela indústria farmacêutica se torna clara ao observarmos os dados referentes à prescrição de medicações nos últimos no Brasil. Em 2011, 44% dos remédios controlados vendidos em drogarias e farmácias do Brasil eram para tratamento de transtornos mentais e do comportamento, sendo os ansiolíticos os mais consumidos no País entre os anos de 2007 a 2010. Só estes medicamentos somam um total de 19,3 milhões de caixas; já a venda do antidepressivo Fluoxetina atingiu a margem de 3,5 toneladas. Outro dado alarmante diz respeito ao Metilfenidato, medicamento receitado para o Transtorno de Atenção Hiperatividade (TDAH), cuja venda aumentou em 1020% entre os anos 2000 a 2004, obtendo novo aumento, agora de 930%, entre os anos de 2004 e 2008 (RESENDE; PONTES; CALAZANS, 2015).


A pressão dos laboratórios é tão evidente que em 2010 o Conselho Federal de Medicina proibiu os médicos de receberem qualquer recompensa material pela prescrição de determinados medicamentos, voltando atrás em 2012, após permitir que os laboratórios financiassem, em troca, viagens a congressos (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2012).


E qual é a nossa responsabilidade nisso tudo?

Como vimos acima, a indústria farmacêutica investe pesadamente em propagandas publicitárias na intenção de promover doenças, ao mesmo tempo que financia os médicos para que estes prescrevam os remédios para essas doenças. Mas de nada adianta tomarmos consciência disso se na menor manifestação de sintomas corremos ao “doutor google” para um autoconsulta, correndo o risco de tirar conclusões precipitadas ou até mesmo equivocadas quanto ao seu problema.


Pessoal, o objetivo deste artigo não é negar que doenças existem, muito menos ignorar a eficácia de remédios. O que pretendemos com esse texto é conscientizá-los a fazerem um bom uso dos medicamentos disponíveis, isto é, entendendo que a medicação deve ser utilizada para uma condição de saúde, em doses adequadas às necessidades individuais, por um período igualmente adequado, tal como recomenda a Agência Nacional de Saúde (ANS). Isso requer uma aceitação dos fatos dolorosos e trágicos, dos fracassos e da angústia como eventos e sentimentos naturais à vida humana. Nem todo sofrimento é doença mental, assim como nem todo sintoma significa uma doença grave!


Precisamos urgentemente parar de silenciar os nossos sentimentos e, principalmente, o que o nosso corpo diz. Às vezes a falta de sono é fruto de uma ansiedade provocada por uma situação no trabalho ou porque um ente próximo está em risco; às vezes a exaustão está ligada a quantidade de tarefas que você faz por dia sem intervalos para descanso. Conversamos sobre isso no post sobre saúde mental no contexto de pandemia, lembram? Se não, procura lá o post para refrescar a memória.


Medicamentos têm o seu papel no tratamento de doenças físicas e de transtornos mentais incapacitantes, mas NÃO resolve o conteúdo que nos faz sofrer. Dor e sofrimento caminham juntos e fazem parte da vida. Nosso primeiro ato ao nascer é chorar, pois o ar que entra em nossos pulmões machuca, daí o choro. Quando tiramos a casquinha de uma ferida, dói. Quando os dentes de leite amolecem, precisamos arrancá-los, outro procedimento doloroso. Poderia ficar aqui dando vários outros exemplos, mas acho que vocês já entenderam meu ponto: não há como passar pela vida sem lesões.


Dito isso, convido vocês à reflexão: precisamos fazer uso de tantos remédios? É possível substituí-los? Se sim, que alternativas que não necessitam de medicamentos podem ser praticadas para o nosso bem-estar? Antes de me despedir, é válido lembrar que no post sobre superbactérias, foi levantando a possibilidade de vivermos um surto nos próximos anos (a estimativa é que ocorra até 2050, ou seja, pode acontecer antes) devido ao consumo excessivo de antibióticos. Fica aqui o alerta!


Por hoje é só, povão! Até o próximo a próxima!


Autora

Jessica Melo

Psicóloga e Psicoterapeuta

Referências:

  1. SOARES, G. B.; CAPONI, S. Depressão em pauta: um estudo sobre o discurso da mídia no processo de medicalização da vida. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 15, n. 37, p. 437-446, 2011.

  2. Medicalização da vida

  3. Medicamentos uso seguro

  4. RESENDE, M. S. de; PONTES, S.; CALAZANS, R. O DSM-5 e suas implicações no processo de medicalização da existência. Psicol. rev. (Belo Horizonte) [online]. 2015, vol.21, n.3, pp. 534-546.

  5. Conselho Federal de Psicologia (2012). Campanha "não à medicalização da vida". Brasília: CFP.


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