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Já ouviram falar de Sinestesia?

Booom dia, meu caro povão!! Espero que estejam todos bem e aproveitando (em suas casas) este feriado prolongado (7 de Setembro - Independência do Brasil). O assunto que trataremos hoje, não é correlato ao feriado, mas é algo que vocês podem ter sentido a vida inteira e terem sido chamados de loucos por isso!! O tema de hoje é Sinestesia.



O que é sinestesia?


A palavra sinestesia geralmente nos remete a figura de linguagem da língua portuguesa que está associada à mistura de sensações relacionadas aos sentidos: tato, audição, olfato, paladar e visão. Porém, o tema de hoje não é sobre gramática.


No caso de hoje conheceremos a condição neurológica de Sinestesia. Condição esta que faz o seu cérebro juntar diferentes sensações em apenas um único sentido. Ficou confuso? Então deixa eu explicar melhor com alguns exemplos. Observem os trechos destacados abaixo:


“Dirigiu-me um comentário duro e amargo.”

“E um doce vento, que se erguera…”

“O sabor quente do seu amor nos unia.’


Nos trechos citados, vemos alguns exemplos sinestesia em seu caráter linguístico, porém, o ponto importante é: algumas pessoas realmente são capazes de ter essas sensações descritas nos exemplos. Uma pessoa sinestésica (que também pode ser chamada de sinesteta), possui a capacidade de sentir um gosto amargo (paladar) e associar a algo duro (tato) ou até mesmo enxergar cores em letras ou sons. Esta condição neurológica pode se manifestar de muitas formas, através da combinação de pares de sentido: audição-visão, audição-sabor, olfato-tato, visão-paladar, ou, em casos extremamente raros, a manifestação de todos os sentidos em uma única vez.


A palavra sinestesia (do grego, synaísthesis) é derivada das palavras gregas syn (que se traduz como "simultâneas") e aisthesis (que significa "sentimento")ou seja, Synaísthesis significa a "união de sentimentos". O contrário seria a "anestesia", que significa "nenhuma sensação". Sua primeira descrição na literatura científica remete à 1880, quando o primo de Charles Darwin, Francis Galton, publicou o fenômeno na revista científica Nature. No entanto, nas décadas que se seguiram, o tema foi esquecido e só voltou a atrair o interesse científico na década de 1980, quando o neurologista americano Richard Cytowic deu início ao tema dando origem ao livro The man who tasted shapes (O homem que saboreava as formas).


Vídeo 1: Artista com sinestesia mostra como é “ver sons”!


O que acontece no cérebro de uma pessoa com sinestesia?


Para responder essa pergunta, precisamos primeiro entender o funcionamento de um cérebro onde não ocorre sinestesia. Quando recebemos uma informação externa, por meio dos canais sensoriais (boca - paladar; ouvido - audição; olhos - visão; nariz - olfato; pele - tato), este estímulo segue uma rota específica até chegar ao córtex*. Por exemplo: quando ouvimos sons, estes fazem seu próprio caminho até o córtex auditivo, já quando vemos um objeto, este segue uma trilha particular até o córtex visual. O que ocorre no cérebro de uma pessoa com sinestesia é o cruzamento desses trajetos, gerando uma mistura no processamento dessas informações.


*Córtex cerebral = é uma fina camada de substância cinzenta (corpo celular dos neurônios), a mais externa do cérebro. O córtex é responsável por receber os impulsos de todas vias de sensibilidade, interpretando e respondendo a essas informações. É dele que sai os impulsos que comandam os movimentos voluntários, estando relacionado também aos fenômenos psíquicos.



É por causa dessa mistura de sentidos que uma pessoa pode, por exemplo, enxergar uma nota musical como uma bola colorida. Isso acontece porque os ruídos, antes de seguirem para o córtex auditivo, dão uma passada no córtex visual. Ou seja, os sinestetas são pessoas capazes de ativar duas áreas corticais diferentes ao mesmo tempo.


O que causa sinestesia?

Não se sabe ao certo as causas desse fenômeno. Tudo indica que seja uma condição genética, pois um sinesteta tende a ter outro membro familiar com sinestesia.


Ciência Povão, a sinestesia é uma doença? Tem tratamento?


Não, a sinestesia não é uma doença, mas uma variação na maneira como o cérebro interpreta os sentidos. Portanto, não existe tratamento! E por que deveria ser, se é apenas uma forma de processar estímulos?


Sinestesia é apenas uma associação, uma memória ou um modo de dizer?


Não. Diferentemente de pessoas que associam um sentido ao outro, como achar um som “macio” ou um cheiro “pontiagudo”, os sinestetas possuem a capacidade de processar um estímulo SEMPRE como se fossem dois ou mais ao mesmo tempo.


Um caso famoso é do físico americano Richard Feynman (1918-1988), que dizia ver letras e números coloridos. Enquanto dava aulas, ele via a letra X na tonalidade marrom escuro flutuando no ar.


Além disso, sinestetas são pessoas constantes. Se você perguntar qual é a cor da letra S e eles responderem “vermelho” e a mesma pergunta for feita 20 anos depois, a resposta será igual.


Você deve estar se perguntando: mas como isso é diferente de quando eu sinto o cheiro de uma torta e a figura da mesma aparece na minha cabeça? A resposta é: bem diferente! Tomando como exemplo esse caso, quando sentimos um cheiro e o relacionamos a uma figura, estamos ativando a nossa memória para acessar uma imagem pré-formada da torta. No entanto, essa imagem pode não ser a mesma toda vez que você sente o cheiro de uma torta, assim como a figura da torta pode não aparecer toda vez que você sentir o cheiro. Os sinestetas, por outro lado, sempre vão ter a mesma experiência sempre. Na mente deles, não apareceria a figura de uma torta, mas uma relação de texturas e cores.


Como identificar se eu sou um sinesteta?


A sinestesia é geralmente diagnosticada por meio de relatos e entrevistas médicas. Mas existem alguns indicadores que podem aparecer ao longo da sua vida.


  • A sinestesia é involuntária


Ouvir cores ou ver sons involuntários é uma condição de um sinesteta. Porém, não serão todos os estímulos capazes de ativar a sinestesia do indivíduo, da mesma forma que o sinesteta não é capaz de ignorar o estímulo quando ele acontece.


  • A sinestesia é projetada


As sensações sinestésicas não ocorrem dentro da mente do sinesteta apenas como uma ideia ou pensamento. Para um sinesteta o que ele vivencia é extremamente concreto no mundo real.


  • É uma condição vitalícia


As assimilações das sensações sinestésicas não se alteram ao longo da vida, ou seja, um determinado estímulo sempre provocará a mesma construção sinestésica.


Linguagem e sinestesia

Algumas pesquisas têm sugerido que a sinestesia não é apenas um fenômeno puramente sensorial, relacionando-se também com as linguagem. Para a psicóloga Julia Simner, da Universidade de Edimburgo (Reino Unido), as explosões sensoriais são mais complexas, podendo ser desencadeadas pelo significado das palavras. Chegou-se a essa conclusão depois que alguns sinestetas relataram experiências difíceis de serem explicadas em termos puramente sensoriais.


Um exemplo disso foram os testes realizados pela equipe de Mike Dixon, da Universidade de Waterloo (Canadá), com uma mulher que vê letras e números em cores bem definidas. Ao mostrarem para ela uma série de formas que poderiam ser tanto letras quanto números, descobriu-se que a visualização das cores dependiam do significado, não da forma. Quando ela foi apresentada a uma forma que poderia ser tanto a letra S quanto o número 5, como na palavra MU5IC (música, em inglês), ela enxergava verde, a cor que associava à letra S, mas quando a letra S aparecia em 1234S6, ela enxergava rosa, a cor que associava ao número 5.


Esse experimento parecem sugerir que, em algumas pessoas, as experiências sinestésicas são disparadas apenas por conceitos, não por informações sensoriais. Para os psicólogos que estudam esse tema, as experiências sinestésicas podem levar a uma compreensão maior de como a mente humana processa a linguagem, podendo contribuir na investigação de problemas linguísticos.


Tipos de sinestesia


Estudos comprovam que há mais de 50 tipos de estímulos sinestésicos conhecidos. Dentre os mais conhecidos podemos destacar:


  • Grafema (escrita) - cor (visão)

Capacidade de associar palavras, letras ou números a uma cor.

  • Grafema (escrita) → Personalidade

Algumas pessoas atribuem personalidades a números, nomes, dias da semana e até mesmo meses de forma involuntária. Ou você achou que 22 era mesmo apenas dois patinhos na lagoa ?

  • Som (audição) → formas (visão)

Você já escutou o barulho de uma campainha e instantaneamente uma forma geométrica específica veio à sua mente? E aí você percebeu que isso sempre acontece quando você escuta o mesmo som?

  • Som (audição) → sabor (paladar)

As pessoas com esta forma de sinestesia são capazes de ouvir determinados sons e automaticamente sentir um determinado sabor. Imagina toda vez que uma moto passasse na sua rua, você sentisse gosto de bolo?! Talvez não fosse tão irritante.

  • Odor (olfato) → som (audição)

As pessoas com esta condição de sinestesia associam cheiros a sons. Pense num ruído fedido, ou aquele andar com cheiro doce?!?! Conseguiu sentir? Uma pessoa com a distorção desses sentidos saberia exatamente do que eu estou falando agora.


Personalidades famosas que possuem alguma forma de sinestesia


Wassily Kandinsky (1866-1944)

Tudo indica que o pintor russo misturava quatro sentidos: visão, audição, olfato e tato. Ele chegava até a cantar os tons de cores que pretendia usar na paleta.


Eddie van Halen (1955)

O guitarrista americano, fundador da banda Van Halen, usou o dom de ver notas musicais coloridas para criar a “nota marrom”, usada em discos da banda.


Vladimir Nabokov (1899-1977)

Quando criança, o autor russo reclamava que as cores de seu alfabeto de madeira estavam erradas. Criou vários personagens sinestetas.


Pharrell Williams (1973)

Talvez uns dos sinestetas mais conhecidos de hoje. Possui a capacidade de associar sons a cores e o artista dá o crédito a essa habilidade por compor músicas tão contagiantes.


Vantagens e desvantagens de ser um sinesteta


Conforme afirma a psicóloga Suzana Herculano Houzel, as desvantagens podem estar ligadas aos julgamentos errôneos que pessoas desinformadas dirigem aos sinestetas, como “malucos” e “esquisitos”. Quanto às vantagens, a psicóloga ressalta que, provavelmente, essas pessoas têm mais facilidade de lembrar das informações por serem multissensoriais, pois possuem mais elementos para serem associados. Além disso, tendem a ser pessoas mais artísticas (olha aqui os casos citados acima).


Na verdade, os próprios sinestetas consideram a sua sinestesia agradável e não um obstáculo. Inclusive, eles sentem pena pelas pessoas não sinestésicas terem apenas experiências sensoriais unidimensionais. O único momento que um sinesteta se sente incomodado com a sua condição é quando um estímulo produz uma experiência sinestésica adversa. Por exemplo: algumas palavras podem ter gosto de cigarro, e algumas letras podem ter cores feias.


E para encerrar o texto de hoje, eu os deixo com seguinte frase de Aristóteles:


“Não há nada na nossa inteligência que não tenha passado pelos sentidos.”


Se vocês gostaram gostaram do assunto de hoje compartilhe com os amigos e interaja no nosso instagram @cienciapovao.


Autor 01

Membro do Ciência Povão

Marcos V. Clemente

Graduando em Oceanografia



Autora 02

Membro do Ciência Povão

Jessica Melo

Psicóloga e Psicoterapeuta






Referências:









LEOTE, R. Multissensorialidade e sinestesia: poéticas possíveis?. In: ArteCiênciaArte [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015, pp. 45-70. ISBN 978-85-68334-65-2. Available from SciELO Books .



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