Olá Povão, tudo bem com vocês? Se você, assim como eu, sofre com enxaquecas, esse momento é seu! Vamos entender um pouco mais sobre essa terrível dor de cabeça.
Diagnóstico e sintomas
A enxaqueca é um transtorno de dor de cabeça incapacitante. É o terceiro transtorno mais prevalente e a sétima causa de incapacidade no mundo em pessoas com menos de 50 anos (Global Burden of Disease Survey, 2010).
De acordo com a Classificação Internacional de Transtornos de Dor de Cabeça (do inglês, International Classification of Headache Disorders), o diagnóstico de enxaqueca é considerado em pacientes que possuem dores de cabeça pelo menos 15 dias ao mês, possuindo sintomas associados a enxaqueca em pelo menos 8 dias. O diagnóstico pode ser realizado mesmo sob o uso abusivo de medicamentos.
O diagnóstico de enxaqueca é complexo. Pacientes com essa condição relatam experienciar mais de um tipo de dor de cabeça. Os sintomas podem variar consideravelmente de pessoa para pessoa. Além disso, as características e sintomas podem variar, a cada episódio, no mesmo indivíduo.
A enxaqueca é classificada clinicamente em dois tipos, com e sem aura. Mas afinal, o que é aura? É um conjunto de sintomas ou sensações neurológicas que precede ou acompanha a dor de cabeça. Vocês já sentiram um formigamento na mão ou no rosto? Vocês já viram alterações na visão como luzes piscando? Se você tem enxaqueca e está lendo esse texto, provavelmente você já sentiu alguma sintoma de aura e sabe bem do que eu estou falando.
Tipos de enxaqueca:
Enxaqueca sem aura:
Tem duração de 4 a 72 horas;
Localização unilateral (apenas de 1 lado da cabeça);
Pulsante;
Intensidade de moderada a severa;
Agravada pela falta de uma rotina de atividade física;
Durante o evento de dor de cabeça, pelo menos um desses sintomas ocorre:
náusea e/ou vômito
fotofobia (sensibilidade à luz) e fonofobia (sensibilidade a sons).
São necessários no mínimo 5 eventos para que o diagnóstico seja realizado.
Enxaqueca com aura:
Apresenta um ou mais sintomas de aura, sejam de origem:
visual;
sensorial;
relacionado a fala e/ou linguagem;
motora;
tronco-encefálico;
retinal.
Apresenta duas das seguintes características:
pelo menos um sintoma com duração maior que 5 minutos e/ou dois ou mais sintomas devem ocorrer sucessivamente;
cada sintoma de aura deve durar entre 5 e 60 minutos;
pelo menos um sintoma de aura é unilateral;
a aura é acompanhada ou seguida por dor de cabeça (nos próximos 60 minutos).
São necessários pelo menos dois eventos que preencham os requisitos acima para que o diagnóstico seja realizado.
Os pacientes também relatam sintomas premonitórios, ou seja, que ocorrem alguns dias ou horas antes da dor de cabeça, e/ou uma fase resolutória, após a dor de cabeça, como por exemplo: cansaço, dificuldade de concentração, tensão ou dor no pescoço, sensibilidade a luz e/ou sons, náusea, visão embaçada, bocejar com frequência e palidez.
Vale lembrar que um mesmo indivíduo pode apresentar enxaqueca sem aura e com aura!
As enxaquecas com ou sem aura também podem ser crônicas quando ocorrem por 15 ou mais dias no mês, por mais de 3 meses ou pelo menos 8 dias no mês, todos os meses.
Ciência Povão, mas por que a gente tem enxaqueca? Como acontece?
A enxaqueca ocorre em quatro fases: uma fase premonitória (antes da dor de cabeça), a fase com sintomas de aura (imediatamente antes ou durante a dor de cabeça), a fase da dor de cabeça e a fase resolutória (após a resolução da dor de cabeça).
Antes de falarmos sobre o mecanismo da enxaqueca, vamos entender um pouquinho sobre a anatomia do sistema nervoso central. O sistema nervoso central consiste em todos os tecidos que estão dentro da cavidade craniana (da nossa cabeça) e canal vertebral (da nossa coluna). O encéfalo é formado pelo cérebro, tronco-encefálico e cerebelo. Essas regiões são responsáveis pela regulação dos estímulos sensoriais (Ex: luz e som), pelo fluxo de sangue no cérebro e pela percepção de dor. Durante a enxaqueca, ocorrem alterações no fluxo sanguíneo cerebral, amplificação dos estímulos sensoriais e alterações da excitabilidade (fica ativado com mais facilidade) no córtex, facilitando a sensação de dor.
Algumas estruturas localizadas no sistema nervoso central estão intimamente associadas ao mecanismo da enxaqueca. O hipotálamo está localizado no cérebro (diencéfalo) e é responsável por regular a homeostase (manutenção do equilíbrio) do nosso corpo. Ele faz a comunicação entre o sistema nervoso central e sistema endócrino através da produção de neuro-hormônios. Algumas funções do hipotálamo são a regulação da temperatura corporal, fome e sede, comportamento, etc. Alguns sintomas associados à fase premonitória, como a poliúria (produção de urina acima de 2,5 litros por dia), e as alterações de humor e apetite, já foram associadas à alterações na função do hipotálamo. Outra estrutura envolvida no mecanismo da enxaqueca é o tronco-encefálico. Sua função consiste em conduzir e integrar funções homeostáticas básicas, como por exemplo: ritmo circadiano, respiração, percepção de dor, etc. A ativação do tronco-encefálico foi associada ao sintoma de náusea durante a fase premonitória. Outro sintoma característico é a sensibilidade à luz, que está relacionada com a atividade no córtex occipital. Essa estrutura está localizada no telencéfalo (cérebro) e está associada à visão. Outras alterações de função e na própria estrutura do sistema nervoso central também já foram relacionadas à enxaqueca.
Figura 2: Parte do Sistema Nervoso Central.
Um sintoma muito comum que precede a enxaqueca são as tensões e/ou dores no pescoço. A sinalização de dor cervical (no pescoço) chega em um nervo chamado de trigêmeo. Esse nervo está localizado próximo ao maxilar e tem ramificações pelo rosto, ligando-se no tronco-encefálico, na região da coluna próxima ao pescoço. Dessa forma, a dor no pescoço estimula o nervo trigêmeo, causando uma dor próxima à região dos olhos, que é um dos tipos de dor de cabeça característicos da enxaqueca.
O principal sintoma de aura, relatado por 50% dos pacientes, é o escotoma cintilante. É caracterizado por uma luz cintilante em forma de arco que invade o campo visual central, fazendo com que o paciente perca temporariamente, total ou parcialmente, a visão de uma região do campo visual. Os mecanismos pelos quais esses eventos acontecem ainda não estão claros e ainda são alvo de intensa investigação pelos cientistas. A propagação do fenômeno de aura parece ocorrer em regiões específicas e em áreas limitadas do córtex occipital, similar ao que ocorre em pacientes com isquemia e trauma cerebral.
Há uma hipótese que a aura seria a causa inicial da enxaqueca. Haveria uma despolarização no córtex, que ativaria as vias de sinalização para dor periférica (incluindo a do nervo trigêmeo) e central. No entanto, essa hipótese é baseada em experimentos realizados em animais e não sabemos se em humanos aconteceria da mesma maneira. Além disso, a enxaqueca com aura pode ocorrer sem dor de cabeça e a maioria dos eventos de enxaqueca não incluem sintomas de aura. Uma hipótese alternativa sugere que a despolarização ocorreria não por um componente (aura), mas por uma desregulação do sistema nervoso central. A ciência está sempre em construção galera, é que temos pra hoje!
É possível prevenir a enxaqueca? Tem tratamento? Tem cura?
Manter uma dieta saudável, quantidade adequada de sono, controlar o consumo de café e fazer exercício regularmente são estratégias utilizadas para reduzir a frequência e a intensidade das enxaquecas. É recomendado que os pacientes identifiquem fatores que sejam gatilhos para a enxaqueca. Por exemplo, prestar atenção se após ingerir um alimento há ocorrência de enxaqueca, ou quando você dorme pouco, ou quando você sente um cheiro específico, ou quando você tem algum tipo de estresse. Identificar esses gatilhos é essencial para melhora da qualidade de vida do paciente e é um processo de autoconhecimento.
Existem terapias com remédios, chamadas de preventivas. As principais drogas utilizadas são os: beta-bloqueadores, antidepressivos tricíclicos, anticonvulsivantes (ex: topiramato e divalproato de sódio), a toxina onabotulínica A e a flunarizina. Essas terapias não são específicas para enxaqueca e apresentam muitos efeitos colaterais. Modificar os nossos hábitos de vida é muito difícil, sim, mas pensem que esses remédios irão atuar naquelas estruturas no nosso sistema nervoso central, então só recorra à medicação quando for necessário e sob recomendação médica.
O uso frequente e excessivo de alguns medicamentos para enxaqueca podem intensificá-la! É considerado uso excessivo é considerado quando uma medicação é utilizada por pelo menos 15 dias em um mês, por pelo menos 3 meses para analgésicos (ex: paracetamol, aspirina, ibuprofeno, etc.). Se você está sentindo dores de cabeça frequentes, procure um médico neurologista. NÃO FAÇA AUTOMEDICAÇÃO! Você pode estar piorando seu problema.
Se cuidem, melhorem seus hábitos de vida e bom final de semana a todos! Até a próxima!
Autora
Membro do Ciência Povão
Stephanie Serafim
Bióloga com enfâse em Biotecnologia
Mestre e Doutora em química biológica
Referências
GBD 2016. Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990–2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2017; 390: 1211-1259
Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS). The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition (beta version). Cephalalgia 2013; 33: 629–808 (https://beta.ichd-3.org/1-migraine/)
Charles A. The pathophysiology of migraine: implications for clinical management. Lancet Neurol 2018; 17: 174–82.
Dodick, D. W. (2018). Migraine. The Lancet, 391(10127), 1315–1330. doi:10.1016/s0140-6736(18)30478-1
Enxaqueta. <https://www.purepeople.com.br/noticia/como-aliviar-a-enxaqueca-dicas-e-tecnicas-para-tratar-dores-de-cabeca_a297571/1> Disponível 01/10/20.
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