Olá povão, tudo bem com vocês? Todo mundo animado porque o Reino Unido vai começar a vacinar os idosos e se perguntando, quando a minha dose vai chegar? Vamos entender sobre a metodologia que as empresas de biotecnologia estão utilizando para produção dessas vacinas.
Como a vacina funciona?
Para entender como as diferentes tecnologias estão sendo utilizadas para criação de uma vacina eficaz contra a COVID-19, primeiro precisamos entender como a vacina funciona no nosso organismo.
O nosso corpo possui um sistema que controla a entrada e o crescimento de microorganismos como vírus e bactérias. Se um vírus, por exemplo, é capaz de invadir o nosso corpo, levando a uma infecção, consequentemente pode causar uma doença. O sistema imunológico usa diversas estratégias para combater essa infecção e por isso nós ficamos saudáveis novamente. Dentre essas estratégias existem células, chamadas de macrófagos, que “comem” os microrganismos, levando à sua morte. Durante esse processo, pedaços desses microrganismos são deixados para trás e outras células do sistema imunológico, as células dentríticas, conseguem identificá-las como coisas que não fazem parte do nosso corpo. A partir desse reconhecimento, os linfócitos B produzem anticorpos, atuando em segunda linha de defesa contra o microrganismo. Por fim, os linfócitos T atacam células do nosso corpo que já foram infectadas pelo microrganismo.
Figura 1: Imunologia Celular e Molecular - Abul K. Abbas - 7°edição
E as vacinas? As vacinas atuam simulando uma infecção, ou seja, promovem a ativação do sistema imunológico, porém sem causar a doença. Dessa forma, a vacina leva à produção de anticorpos pelos linfócitos B e à produção de linfócitos T. Mas o que isso significa? Significa que ao tomar a vacina o seu sistema imunológico tem uma memória daquela bactéria ou vírus e, caso você entre em contato com essa bactéria ou vírus no futuro, o seu corpo é capaz de lembrar e gerar uma resposta imunológica (anticorpos e células de defesa) muito mais rápida do que se fosse o primeiro contato, evitando assim a doença. Partiu tomar vacina, né galera?
Estratégias utilizadas na produção das vacinas contra COVID-19
Mas e para COVID-19? Como essa vacina funciona? De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), atualmente estão sendo desenvolvidas 51 vacinas contra o coronavírus. Existem quatro tipos de estratégias que vêm sendo utilizadas pelas empresas para o desenvolvimento biotecnológico dessas vacinas.
Vírus inativado ou atenuado: podem ser utilizados vírus ou bactérias. Estes são enfraquecidos, inativados ou mortos, de forma que não seja capaz de causar a doença, gerando uma resposta imune eficaz. Exemplos de vacinas que utilizam essa estratégia são a tríplice viral, que inclui os vírus do sarampo, caxumba e rubéola e a vacina da poliomielite. No caso da COVID-19, existem 3 vacinas desse tipo em fase 3 sendo testadas hoje: Sinovac (que possui parceria com o instituto Butantan no Brasil), Sinopharm e Bharat Biotech. Esse tipo de vacina possui alta eficiência, porém as desvantagens são que seu uso não é recomendado em pessoas com baixa imunidade e frequentemente é necessária mais de uma dose para manter a imunidade.
Vacina baseada em proteínas: essa estratégia pode ser utilizada para vírus e bactérias. Não é utilizado o microrganismo inteiro, apenas proteínas que compõem esse microorganismo. Um exemplo de vacina que utiliza essa estratégia é as que protegem contra difteria, tétano e coqueluche, nas quais foram utilizadas toxinas produzidas por essas bactérias para ativar o sistema imune. Dentre as vacinas contra COVID-19 que estão em fase 3 de teste, duas utilizam essa estratégia: Novavax e Anhui Zhifei Longcom Biopharmaceutical/Institute of Microbiology, Chinese Academy of Sciences.
Vacina de vetor viral: O principal diferencial desse tipo de vacina é não conter o microrganismo ou proteínas que ativam o sistema imunológico (antígenos). Nessa estratégia o nosso corpo irá produzir as moléculas do microorganismo, a partir de um vírus que foi modificado através de técnicas de engenharia genética para entregar o genoma (RNA ou DNA) do microrganismo dentro das nossas células, ativando assim a resposta imunológica. Ou seja, esse tipo de vacina imita o que aconteceria em uma infecção natural. Um exemplo desse tipo de vacina é a utilizada contra o Ebola. Existem 4 vacinas contra o SARS-CoV-2 em fase 3 de testes que utilizam essa estratégia: University of Oxford/AstraZeneca (que possui parceria com a Fiocruz no Brasil), CanSino Biological Inc./Beijing Institute of Biotechnology, Gamaleya Research Institute, Janssen Pharmaceutical Companies.
Vacinas de RNA: Assim como as vacinas de vetor viral, essa estratégia é livre de microrganismos ou proteínas que ativam o sistema imunológico (antígenos). Em células saudáveis do nosso corpo, o DNA (material genético) é utilizado como molde para transcrever moléculas de RNA mensageiro (RNAm), que são traduzidas em proteínas. Na vacina de RNA, um RNAm, que contém a mensagem de proteína do microrganismo, é entregue para nossas células, que irão traduzir essas informações em proteínas (antígenos). Esses antígenos serão expostos na superfície das nossas células, ativando o sistema imunológico. Testes clínicos vêm sendo desenvolvidos para diversas doenças, como: HIV-1, citomegalovirus, influenza, raiva e Zika vírus. Existem duas vacinas para COVID-19 em fase 3 de testes clínicos que utilizam essa estratégia: Moderna/NIAID e BioNTech/Fosun Pharma/Pfizer.
Mas povão, essas vacinas são seguras? O que são essas fases de testes clínicos?
Como vocês viram, existem diversas estratégias para o desenvolvimento de vacinas, algumas muito bem estabelecidas e outras totalmente inovadoras. As quatro empresas que liberaram resultados da fase 3 de testes clínicos utilizaram estratégias biotecnológicas inovadoras, a de vetor viral e a de RNA, apresentando alta eficácia. Essa semana o Reino Unido optou por utilizar a vacina de RNA, produzida pela Pfizer, que demonstrou ter 95% de eficácia. A vacina do consórcio Oxford-AstraZeneca, que possui acordo com o instituto Butantan, também utiliza uma tecnologia inovadora, a de vetor viral, que apresentou entre 62-90% de eficácia.
Figura 2: Resumo das vacinas, Fonte: BBC
Se você ainda está inseguro com essa tecnologia sendo utilizada nas vacinas e com a corrida para quem será capaz de produzir uma vacina eficaz primeiro, vem entender todos passos que garantem a sua segurança. Para que a vacina (ou outro produto, como remédios) possa ser utilizada por nós, primeiro são necessárias quatro fases de teste clínicos. Na primeira fase (fase I) a vacina é aplicada em um pequeno grupo de voluntários saudáveis, entre 20 e 100. Essa fase serve para entender como a vacina funciona e se é segura. É estimado que 70% dos produtos sejam aprovados nessa fase. Na fase II, são incluídos voluntários que possuem a doença. No caso da COVID-19, são realizados testes para saber quantas pessoas ficaram doentes ao longo da fase II e assim saber quantos ficaram protegidos pela vacina ou não. Para isso, alguns voluntários irão receber a vacina, e outros não. O número de pessoas também aumenta, indo para cerca de 70 a 200 pessoas. Cerca de 33% dos produtos são considerados seguros para passar para fase III. Na fase III, o número de voluntários aumenta para 300-3000. O objetivo dessa fase é determinar o valor terapêutico do produto e explorar reações adversas. Ou seja, se faz mais bem do que mal. Aproximadamente, 25 a 30% dos produtos são aprovados nessa fase. Na fase IV o produto já foi aprovado para comercialização, no entanto continuam os estudos para avaliar uma parcela maior da população e ocorre a fiscalização de órgãos sanitários.
Por aqui aguardando ansiosamente pela vacina, e vocês? Enquanto isso, aproveita para regularizar sua carteirinha de vacinação, pois a vacina do COVID-19 ainda não chegou, mas as outras estão aí disponíveis de graça. Viva o SUS!
Até a próxima, meu povo!
Referências
Understanding How Vaccines Work - CDC, julho 2018
DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines – OMS, 2 Dezembro 2020
Anthony King, Vector-Based Vaccines Come to the Fore in the COVID-19 Pandemic - Setembro 2020
Pardi N, Hogan MJ, Porter FW, et al. mRNA vaccines - a new era in vaccinology. Nat Rev Drug Discov. 2018; 17(4): 261-279.
Weiss R, Scheiblhofer S, Thalhamer, J. Generation and Evaluation of Prophylactic mRNA Vaccines Against Allergy. Methods Mol Biol. 2017; 1499: 123-139.
Imagem da capa - https://govtech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/10/uma-otima-noticia-brasil-pode-ser-lideranca-em-vacina-contra-covid-19/
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