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Foto do escritorMarcos V. Santana

A história da primeira vacina

E ai, Povão. A carteira de vacinação está em dia? Ansiosos para tomar a vacina para COVID-19? As vacinas são tão comuns atualmente que a gente acaba esquecendo de onde elas vieram. Por isso, hoje o Ciência Povão vai te levar numa viagem ao passado para conhecer a história da primeira vacina moderna. Vem com a gente descobrir essa incrível história da ciência!


Vamos começar nossa história falando sobre uma doença que fez parte da cultura de basicamente todas as civilizações: a varíola. Registros sobre a varíola podem ser encontrados no Egito antigo, 3 séculos antes de Cristo, na China e outras partes da Ásia. A doença viajou junto com comerciantes e aventureiros, os quais espalharam o vírus em novas regiões da Europa, África e Ásia até o século 15. Com a descoberta do Novo Mundo (as Américas), os europeus trouxeram a varíola junto com eles e introduziram a doença, até então desconhecida, no continente americano. A varíola não tinha preconceitos, afetava ricos, pobres, mulheres, crianças, idosos, negros, brancos, católicos e protestantes. Qualquer pessoa poderia se infectar. Um exemplo disso são as lesões características de varíola encontradas no rosto da múmia do fáraó Ramsés V (1185 a.C).


Do nosso lado do globo terrestre, nas Américas, a varíola era desconhecida e foi introduzida pelos europeus. O resultado disso? Uma epidemia de varíola teve um papel fundamental na queda do império asteca, além de funcionar como catalisador no extermínio de povos nativo americanos nos Estados Unidos e aqui no Brasil. Estima-se que a taxa de mortalidade era entre 20 - 60% em adultos; apenas no século de 18 as estimativas são de aproximadamente 400 mil mortes anuais na Europa por causa da doença. Nas crianças a situação era ainda pior, com taxas de mortalidade próximas de 80%. Além disso, os curados ficavam marcados com cicatrizes que desfiguravam a face e também sujeitos à sequelas como surdez. A varíola não era brincadeira.


Devido ao perigo da doença, médicos antigos na África e na Ásia (bem antes dos europeus), investigavam tratamentos variados, mas sem muita eficácia real. Porém, já se sabia que os sobreviventes da varíola ficavam imunes à doença, como se tivessem ganhado um super-poder depois de todo aquele perrengue. Isso era tão conhecido que muitas vezes pessoas curadas eram chamadas para cuidar dos doentes, uma vez que não apresentavam mais risco de se contaminar também.


Apesar dos esforços, que incluíram tratamentos com ervas, banhos aromáticos, roupas especiais, dentre outros, a melhor forma de prevenir a varíola consistia em inocular pessoas não-imunes com o vírus! Essa forma de tratamento era conhecida como variolação e consistia em inocular o pus (isso mesmo) das feridas nos braços ou pernas. Essa prática de imunização já era conhecida na África, na China e possivelmente na Índia, antes de ser introduzida na Europa no século 18. Apesar de ser relativamente comum, a variolação despertava desconfiança de muita gente. E com razão! “Como assim colocar essa doença em mim, e me furando ainda por cima?!” Vale lembrar que séculos atrás a humanidade ainda não conhecia os vírus, por isso mais mistério e desconfiança. Além disso, existia o risco bastante real de espalhar outras doenças através do contato com sangue contaminado, por exemplo. Ou seja, apesar de parecer eficaz, a variolação ainda não era nada segura.


A varíolação ganhou força no século 18 na Europa depois que nobres começaram a se inocular e também recomendar para os filhos, o que levou a gradual aceitação pela comunidade médica e pela população em geral. Cientistas da época demonstraram que a taxa de mortalidade com a variolação era cerca de 10 vezes menor do que as infecções pelo vírus selvagem. Aos poucos, a variolação foi adotada em toda Europa e nas Américas. Um sujeito muito importante na nossa história foi inoculado em 1757 aos 8 anos de idade: o Edward Jenner.


Edward Jenner


O herói da nossa história nasceu em 17 de Maio de 1749, em Berkley, Inglaterra. Edward Jenner sempre teve uma mente científica desde pequeno, se interessando por assuntos de biologia e ciências naturais. Aos 15 anos, Jenner começou um estágio com o médico George Harwicke, começando a trabalhar com medicina. Ao final do estágio, a sorte bateu na porta de Jenner, então com 21 anos, e ele foi trabalhar sob a tutela de um dos médicos mais conhecidos da Inglaterra, John Hunter. Durante seu aprendizado com Hunter, Edward Jenner aprimorou bastante seus conhecimentos médicos e também pode experimentar outras áreas, principalmente ciências naturais. Quando o estágio terminou, o jovem Jenner iniciou sua prática médica em Berkeley, sendo bastante habilidoso e popular na região.


Em Maio de 1796, Jenner deu o primeiro passo numa ideia que ia mudar o mundo. Ele ficou sabendo de uma garota do campo que parecia imune à varíola pois havia contraído a varíola de vaca (cowpox, em inglês). A cowpox era bem mais branda que a varíola humana e era caracterizada por marcas, principalmente nas mãos das garotas que ordenhavam as vacas na fazenda. Jenner começou a pensar na hipótese de que a varíola da vaca poderia conferir imunidade à varíola humana e que ela estava sendo usada para prevenir infecção. Foi então que Jenner encontrou Sarah Nelms, a qual apresentava feridas recentes de cowpox e decidiu testar sua hipótese na prática. No dia 14 de Maio, Jenner inoculou uma amostra das feridas da Sarah num garoto de 8 anos chamado James Phipps, o filho do seu jardineiro, um ato que merecia um sinal gigantesco de “NÃO TENTEM ISSO EM CASA!”. Nos dias seguintes, o garotinho sentiu um leve mal estar e febre, mas rapidinho ficou bom. Prosseguindo com seus testes, Jenner resolveu testar se o garoto Phipps havia desenvolvido imunidade à varíola e inoculou o garoto outra vez, desta vez com varíola humana. Para o alívio de Jenner, dos pais do garoto e principalmente do próprio garoto, não foi observada nenhuma evidência de varíola! A ideia funcionou e James Phipps foi o primeiro a receber uma vacina.



Aqui vai uma curiosidade, a palavra vacina vem do Latim vaccinia, que significa cowpox ou varíola da vaca. Com o sucesso da experiência, Jenner publicou seus achados em três volumes do trabalho chamado An Inquiry into the Causes and Effects of the Variolae Vaccinae, a disease discovered in some of the western counties of England, particularly Gloucestershire and Known by the Name of Cow Pox (em português seria algo como “Uma pesquisa sobre as Causas e Efeitos da Vacina para Varíola, uma doença descoberta em alguns condados do oeste da Inglaterra, particularmente Gloucestershire e conhecida pelo nome de Varíola da Vaca”). A publicação em três volumes descrevia a origem da varíola de vaca no primeiro capítulo e o experimento da vacina e uma discussão sobre a varíola nos capítulos 2 e 3, respectivamente. Inicialmente, a publicação foi recebida com certa desconfiança pela comunidade médica da época. Jenner então resolveu ir para o coração do país, Londres, em busca de voluntários para a vacinação.


Como um artista de rua ignorado pelos frequentadores de bares cariocas, Jenner não conseguiu ninguém para testar sua arte. Ninguém. Mas sem desistir, ele passou a divulgar a vacinação para outros médicos ingleses, enviando amostras e instruções para inoculação, e rapidamente a vacinação se tornou popular na capital inglesa. Mas não parou por aí! A vacinação tomou o país e em 1800 a prática já havia se espalhado para outros países da Europa, apenas 4 anos após sua descoberta. E olha que nessa época não existia telefone e nem computadores.


Foi uma verdadeira revolução e a vacina contra varíola se tornou o padrão ouro de prevenção, substituindo a variolação em 1840. Apesar da fama por causa da vacina, Jenner não obteve ganhos financeiros com ela. Na verdade, ele até ficou bastante endividado promovendo a vacinação. Ele chegou a construir um “templo da vacina” na sua casa, onde ele vacinava pessoas mais pobres sem cobrar nada. Para nossa sorte, a batalha de Jenner valeu a pena e nem os ataques de gente mais conservadora (ou retrógrada?) foram capazes de barrar o avanço científico.


Na década de 1950, a Europa e os Estados Unidos estavam virtualmente livres da varíola. Em 1967, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou uma campanha de vacinação em massa. Em 8 de Maio de 1980, a OMS declarou que a varíola havia sido erradicada. A primeira doença que foi vencida de forma convincente pela humanidade, depois de tantos séculos matando e desfigurando pessoas ao redor do mundo.


E aí, gostaram da história? Edward Jenner foi um verdadeiro cientista e um herói também! O cara não parou quieto e promoveu sua descoberta de forma gratuita para a população. Se tem uma pessoa que merece reconhecimento, é o Jenner. Graças a ele, a humanidade conseguiu erradicar a varíola e reduzir bastante o número de casos de poliomielite, tétano, rubéola, catapora e caxumba. Então, pessoal, bora tomar vacina sim! Sem medo e sem paranoia. A melhor forma de evitar doenças é se prevenir, e vacinas representam uma das melhores formas de fazer isso.



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