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Encontramos sinais de vida em Vênus?

E ai, povão. Tudo certo? Hoje vamos explorar um pouco mais sobre o tema Astrobiologia (confira aqui nossa matéria sobre tema). Se você achava que 2020 não poderia ficar mais esquisito, espera até ouvir isso aqui: podemos estar próximos de descobrir evidência de vida em outro planeta. Isso mesmo. Foi anunciada a descoberta de moléculas de fosfina (PH3) na atmosfera de Vênus.


A fosfina é um gás tóxico, inflamável e muito fedorento que pode ser encontrado em esgotos e pântanos. Além do cheiro ruim e do potencial risco de incêndios, a fosfina é tóxica para seres que precisam de oxigênio. Por isso, geralmente não encontramos muitos organismos que gostam de ficar perto dela. Porém, bactérias anaeróbias (que não precisam de oxigênio para sobreviver) não tem muitos problemas com fosfina; na verdade a fosfina na Terra está geralmente associada à vida anaeróbica.


Evidências sugerem que bactérias anaeróbias podem produzir fosfina, apesar de não sabermos o mecanismo exato. É possível que essas bactérias possuem vias biológicas capazes de produzir a fosfina como parte do seu metabolismo. Outra explicação possível é que a fosfina é produzida de forma indireta, através de reações químicas entre produtos ácidos do metabolismo bacteriano e substâncias contendo fósforo (na forma de íon fosfeto - P3-), presentes no ambiente.


Dessas explicações, talvez a mais plausível seja a primeira, na qual as bactérias conseguem produzir fosfina diretamente. Isso porque a fosfina já foi detectada em culturas bacterianas em laboratório, em condições controladas sem a presença de íons fosfeto, ou seja, em culturas bacterianas onde o tipo e a quantidade de cada componente do ambiente é conhecido e controlado. A fosfina também já foi encontrada em fezes de animais em diferentes ambientes da Terra.


Além disso, não é tão fácil produzir fosfina em condições naturais tranquilas. Para combinar os três átomos de hidrogênio com o fósforo, sem a presença de formas de vida ou em condições controladas de laboratório, são necessárias condições bem extremas, como elevada pressão e temperatura. Por exemplo, nós já encontramos fosfina nos gigantes gasosos Júpiter e Saturno; estes planetas são abundantes em hidrogênio e apresentam pressão e temperatura muito mais elevadas que as nossas, sendo favoráveis para promover a reação química.


O conjunto dessas evidências sugere que a fosfina, assim como o oxigênio, pode ser considerada um indicativo de vida! Essas formas de vida provavelmente seriam bactérias ou outros seres que não dependem de oxigênio para sobreviver. Dessa forma, se encontrarmos fosfina em outros planetas, é plausível pensar que esses organismos sejam capazes de sobreviver sem oxigênio e em condições bem extremas de temperatura e pressão.


Vênus em Sagitário: a vida cheia de desafios e conquistas diárias


O planeta Vênus é nosso vizinho no sistema solar, sendo o segundo planeta a partir do Sol. Vênus pode ser visto como a luz mais brilhante no céu (além do Sol) e com muita sorte você pode até ver o planeta durante o dia. Estando tão perto de nós, Vênus sempre atiçou a curiosidade humana. Culturas mais antigas estudaram o movimento de Vênus no céu e como o planeta influenciava a vida na Terra. Observações diretas do planetas remontam até Galileu, com a descoberta de fases (como as fases da Lua), demonstrando que Vênus orbita o Sol. Por muito tempo tudo que conseguimos ver de Vênus era um disco embaçado e sem nenhuma característica especial.


Até meados dos anos 1960, acreditava-se que Vênus era muito parecido com a Terra. De fato, algumas pessoas acreditavam que as observações embaçadas do planeta eram sinal de nuvens. Se existem nuvens podemos inferir que existe água, certo? E se existe água em tamanha quantidade, provavelmente existem oceanos. E se existem oceanos, podemos pensar que existem lagos, pântanos e vida! E claro, se existe vida talvez existam até dinossauros e samambaias! Pode parecer absurdo, mas isso era uma linha bem lógica e intuitiva de pensar, conforme Carl Sagan explicou na série Cosmos. Nossa ignorância sobre um ambiente estranho nos fez usar conhecimentos mais próximos de nós para criar uma hipótese para explicar algo fora da nossa realidade.


Nossas descobertas na década de 1960 revelaram que Vênus era um verdadeiro inferno planetário. As nuvens que atiçaram a imaginação por tanto tempo, na verdade, eram feitas de ácido sulfúrico concentrado (H2SO4), tão ácido que dificilmente algum material orgânico sobreviveria. Imagine nuvens amarelas de tanto enxofre no ar. A atmosfera de Vênus é composta principalmente de gás carbônico (CO2), causando um efeito estufa tão potente que a luz solar consegue entrar mas o calor não consegue sair, aquecendo o planeta numa temperatura de aproximadamente 460°C. A pressão na superfície venusiana é de 90 vezes a da Terra, isso é o mesmo que aguentar 800m de água na cabeça durante um mergulho! A situação em Vênus é tão extrema que as reações químicas essenciais para a vida como conhecemos não tem condições de acontecer na superfície do planeta; todo material orgânico seria incinerado rapidamente. Para vocês terem uma ideia, as naves soviéticas Venera que entraram em Vênus foram fritadas e esmagadas em pouco tempo na superfície do planeta.


Mas então por que alguns cientistas acham possível encontrar vida em Vênus? As condições na superfície são bem desfavoráveis para qualquer forma de vida que a gente conheça, mas a situação é bem diferente no céu venusiano. Nas camadas superiores da atmosfera de Vênus, a pressão é mais próxima da pressão observada na superfície da Terra e as temperaturas são bem menores que na superfície, podendo ficar na faixa entre -20 e 65°C, o que facilitaria a sobrevivência de organismos extremófilos, ou seja, seres vivos que aguentam condições ambientais extremas, como vulcões, fontes termais e até geleiras.


A acidez de Vênus ainda é problemática para existência de vida como conhecemos. O ácido sulfúrico na atmosfera é tão ácido quanto fluido de bateria de carro e pode destruir matéria orgânica (feita de carbono) com muita facilidade. Uma hipótese sugere que microrganismos poderiam sobreviver em pequenas gotículas de água ou protegidos no interior de partículas de poeira.


Mas não se espante achando que vida no céu não existe! Nossa atmosfera está repleta de microorganismos pegando carona em partículas de poeira. Na verdade, já encontramos bactérias e fungos em altitudes de 77 km! De forma similar,, é possível que a atmosfera de Vênus possa suportar formas de vida capazes de crescer em temperaturas mais amenas que na superfície e sair voando tranquilamente pelo planeta. Isso é bem diferente de dinossauros, mas ainda assim é vida!


Se existe vida, ela provavelmente fede muito!


Hoje, dia 14/09/2020, pesquisadores da Royal Astronomical Society anunciaram a descoberta de fosfina na atmosfera de Vênus. A descoberta foi feita pelos telescópios de Atacama (ALMA), no Chile, e por James Clerk Maxwell no Havaí. Os pesquisadores aproveitaram o fato de Vênus emitir ondas de rádio para investigar se existe fosfina no planeta. Mas peraí, ondas de rádio? Isso mesmo! Algumas moléculas podem absorver ondas de rádio num comprimento de onda específico. Conhecendo esse comprimento, os cientistas podem dizer que tipo de moléculas está presente na atmosfera de um planeta, mesmo que ele esteja há milhares de anos-luz da Terra. No caso da fosfina, os pesquisadores esperavam observar uma absorção de ondas de rádio, no comprimento de 1.13 milímetros, na atmosfera venusiana. Caso a fosfina não estivesse presente, nenhuma absorção seria observada. Para surpresa de todos: eles encontraram fosfina!


O mais interessante é que as moléculas de fosfina provavelmente estão na altitude certa que permitiria o desenvolvimento de vida,na aŕea onde temperatura e pressão são mais amenas. Segundo os pesquisadores, a quantidade de fosfina encontrada foi muito pequena, aproximadamente 20 partes por bilhão (20 p.p.b). Porém, segundo simulações feitas pelos pesquisadores, possíveis microrganismos venusianos só precisam trabalhar com 10% da eficiência de microrganismos reais aqui da Terra para produzir esses 20 ppb. Isso significa que a hipótese de vida produzindo fosfina em Vênus não é tão doida assim!


Sabendo a quantidade aproximada de fosfina na atmosfera, os autores se perguntaram se a fosfina poderia ser produzida por reações químicas espontâneas da mesma forma que ocorre em Júpiter e Saturno. Os pesquisadores rodaram simulações da produção de fosfina nas diferentes camadas da atmosfera de Vênus e na superfície e mostraram que é muito improvável que as condições de Vênus favoreçam produzir 20 ppb de fosfina por reações químicas espontâneas. As simulações também incluíram cenários como raios e meteoros participando da produção de fosfina, mas nenhuma evidência foi encontrada que essas fontes poderiam produzir a mesma quantidade de fosfina.

As conclusões dos autores indicam duas possibilidades para as observações:


1) uma forma exótica de reação química capaz de produzir fosfina;

2) formas de vida capazes de suportar a atmosfera ácida.


Ambas hipóteses são tentadoras para reacender o interesse na pesquisa por vida em Vênus. Será que existe um tipo de química que não conhecemos? É possível replicar essa química em laboratório? Será que existem organismos flutuando no céu venusiano? Como seriam essas formas de vida? Será que esses organismos são 100% de Vênus ou foram carregados para lá a partir da Terra? De onde vem essa fosfina toda? Essas são algumas perguntas para estudos futuros. Enquanto isso, ficamos por aqui curiosos.

Autor

Membro do Ciência Povão

Marcos V. Santana

Farmacêutico

Mestre e doutor em Ciências e Biotecnologia

Pós-doc na FIOCRUZ - Pesquisa com Inteligência artificial


Referências:




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